terça-feira, 18 de agosto de 2009

BAAL E O FESTIVAL DE GRAMADO

14 de agosto de 2009.

"Quando o amor, sabe
Lentamente se afogou
E foi descendo,
Pra outros rios maiores
Como um milagre,
O Céu resplandeceu
Como se fosse
Amparar seu cadáver.
As algas enroscando-se,
No seu corpo
Que pouco a pouco
Se tornou pesada
Frios, os peixes
Entre suas pernas
Tornando-se ainda
Mais lenta,
Sua última viagem."

(Carlos Careqa - Canção de Baal)


Semana de surpresas. Muitas, e mais do que esperadas.

As que podem interessar a todos? Bem, Gramado começou com frio de entrar no osso e filmes de aquecer o coração.
Além dos latinos, dos quais pude assistir 3 (gosto muito do que se tem feito em nosso “3º Mundo”), tivemos 2 documentários e 4 ficções nacionais concorrendo. Mas, claro, desse festival, sou completamente suspeito em falar. Porque é inevitável que me atenha a “Canção de Baal”, de Helena Ignez e Michele Matalon. Afinal, dentre outras coisas, sou um dos atores do filme. Outras coisas, porque o aprendizado nessa obra de Helena foi muito maior do que posso reduzir ao trabalho de ator. E não quero desmerecer o aprendizado que se tem atuando; pelo contrário. Quem sabe um pouco dessa arte, sabe que o crescimento é enorme, mas, com “Baal” o aprendizado e envolvimento no set foi muito além. Uma obra feita com paixão e envolvimento de cada um que por ela passou, tanto a frente quanto por trás das câmeras. Tive o privilégio de também fazer o Making Of, dentre outros experimentos.
Como ator, adoro ser cdf e pensar e planejar cada pedaço, cada respiro da existência de um personagem, sua postura, o que quero dizer com ele além do que a direção e a própria obra já propõe, como posso passar o que quero através dessa persona nova para que, mesmo no improviso, ele esteja vivo e dentro do que me propus. E com isso, sinto-me mais presente e consciente na obra. Coisa que agradeço ao aprendizado com Antunes Filho e seu método, que uso sempre, e que, pensando nos 17 longas que até agora pude fazer, acredito que funcione muito no cinema. Ainda mais em nosso país, onde, como em cada outra função dessa arte, cada um faz a sua parte e, portanto, espera-se que o ator chegue pronto e apto a fazer rapidamente e bem a sua; onde carecemos de direção de ator, de um modo geral. Obrigado, mestre Antunes.
Mas, contrariando o meu adorar, Helena me deu sim caminhos e referencias, mas, me pediu que pouco fizesse uso de estudo. Que utilizasse as referencias visuais e imaginativas que ela me propunha, e vivenciasse os momentos (consciente, claro) por si só. E nada mais. Me senti num grande vazio. E muito seguro! Porque também estava cercado de pessoas em quem confio, com quem já trabalhei e por quem tenho muito carinho. Desde colegas de cena a equipe técnica. Me senti metido na época ao pensar assim, mas, devo confessar que tinha sabor de Cinema Novo! E fiquei feliz com a grande experiência. E mais ainda com seu resultado!
E agora, a surpresa de essa obra “muito louca” entrar no festival de Gramado, foi de cair o queixo. Jamais pude pensar que esse filme pudesse entrar como concorrente, com todas as características que tem, de loucura com pé e inspiração em Glauber, Sganzerla, Bressane e no próprio ser e formação de Helena, nossa musa do cinema de então. Ela é parte dessa gloriosa época do cinema brasileiro em que a nossa própria identidade se via e se buscava. E está muito viva, e atuante. Estamos muito acostumados com o formato norte-americano de se fazer cinema; é onde nos sentimos a vontade e tranqüilos. Não me entendam mal: adoro o cinema de USA (tanto que em breve estarei com um pé lá!) tanto quanto o alemão, o indiano, o chinês. Apenas acho que podemos e devemos nos abrir para buscar uma linguagem nossa. Sim, aprender com os que fazem muito bem, é claro. Mas, somar com as qualidades e a arte que temos. Essa primeira direção dessa musa me comoveu e encheu de alegria pela honra que tive de fazer parte, pelo processo como um todo, pelo resultado alucinógeno que só Helena teria o direito de resgatar, impor e fazer florescer nesse festival.
E foi lindo ver e saber da repercussão. Pessoas que se sentiram incomodadas o bastante para se retirarem, o burburinho ao final da sessão, no hall e nos restaurantes, as conversas, as opiniões. Uma longa e deliciosa noite.
No debate da manhã seguinte a exibição, algo inimaginável para mim ocorreu: jornalistas, críticos e público discutiram entre eles as questões levantadas pelo e com o filme, deixando-nos, equipe do filme, como espectadores de espetáculo de aquecer a alma de qualquer artista. Foi lindo. E mais um momento único que esse filme proporcionou. Obrigado, Helena Ignez. Obrigado, Michele Matalon. André Guerreiro e sua linda fotografia, Djin, Simone, Beth, Sandro, Careqa e todos os outros, lindos e companheiros de arte que, espero, sejam para toda uma vida.
E o mais gostoso: sendo do sul, tenho amizade com muitos da terra. E do cinema. E os comentários e preocupações de meus amigos também concorrentes para com a força da obra e de Helena e sua história no cinema; o receio (mesmo dos que não gostaram do filme, mas, viram até o final) de “Baal” abocanhar muitos dos prêmios foi um incentivo e reconhecimento muito gostoso de se ver.
O que tenho a dizer? VIDA LONGA AO CINEMA NACIONAL, VIDA LONGA A SÉTIMA ARTE!

Um beijão,
Felipe

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